JORNALISTA OU SOCIOLINGUÍSTA?



Haddad defende livro distribuído pelo MEC

31/05/2011 - 13:28 - ATUALIZADO EM 31/05/2011 - 13:28


 ministro da Educação, Fernando Haddad, classificou as críticas realizadas por diferentes setores da sociedade a um livro didático distribuído pelo governo nas escolas que permitiria erros de concordância como uma “injustiça crassa”. De acordo com Haddad, que participou de uma reunião na Comissão de Educação, Cultura e Esporte do Senado na manhã desta terça-feira (31), a maioria das pessoas que atacaram o livro sequer leu o material distribuído pelo MEC. 

"Acompanhei com muita atenção o debate em torno dessa questão na imprensa, saúdo o debate que foi feito, mas confesso que me assustei um pouco no início da discussão. E me assustei por uma razão muito simples: a maioria das pessoas que se manifestaram inicialmente declararam, posteriormente, que não haviam lido o livro objeto da polêmica”, afirmou Haddad. 

O Ministério da Educação (MEC) distribuiu a 484.195 alunos de 4.236 escolas o livro "Por uma Vida Melhor", que permitiria erros de concordância, pelo Programa Nacional do Livro Didático para a Educação de Jovens e Adultos (PNLD-EJA). Nele, os autores afirmam que o uso da língua popular - ainda que com seus erros gramaticais - é válido, permitindo frases como "nós pega o peixe" ou "os menino pega o peixe". 

Segundo Haddad , os críticos usaram algumas frases contidas no livro para “descontextualizarem” o debate: “Foi uma frase que foi pinçada e totalmente descontextualizada para denegrir. Recebemos dezenas de manifestações de especialistas, de professores, de ex-reitores e de associações dizendo que o que se fala sobre esse livro não corresponde à verdade.” 

O ministro afirmou ainda que o livro distribuído pelo MEC não acolhe erros de concordância. “O livro parte de uma realidade comum aos adultos que voltam à escola e traz o adulto para a norma culta por meio de exercícios que pede ao estudante que faça a tradução da linguagem popular para a norma culta.”, explicou. 


Os ‘livro’ do MEC


Por Guilherme Fiuza

“Nós pega o peixe”, ensina o livro didático de língua portuguesa “Por uma vida melhor”, de Heloísa Ramos.

Mas desse jeito a vida não vai melhorar tão cedo. O governo popular precisa ser mais ousado. Por que não “nós pega o dinheiro”?

Ou “nós faz caixa dois”, ou ainda “nós é companheiro, por isso nós ganha umas boquinha nos governo”.
Aí o português estaria errado. Como se sabe, a partir da norma culta do nosso Delúbio, não existe “caixa dois”, e sim “dinheiro não contabilizado”.

Da mesma forma, os intelectuais do MEC explicam que “nós pega o peixe” não é erro de português, mas “variação lingüística”.

Se o dinheiro pode não ser contabilizado, por que o plural tem que ser?

O Brasil finalmente caminha para a felicidade plena, com essa formidável evolução cultural “progressista”. As variações lingüísticas e as variações éticas vão formando esse novo país igualitário, que nutre orgulhosa simpatia pela ignorância.

O ministro da Educação, Fernando Haddad, faltou à audiência pública no Senado sobre os livros didáticos. Está coberto de razão.

Se ele se recusa a recolher um texto que ensina os estudantes brasileiros a falarem “os livro”, tem mais é que se recusar a cumprir “os compromisso”.

Depois de explicar que é “claro” que você pode falar “os livro”, a obra “Por uma vida melhor” faz um alerta oportuno: “Mas fique atento, porque você pode ser vítima de preconceito lingüístico”.

Chega de preconceito contra os erros de português. Chega de elitismo. Delúbio tinha razão quando, apanhado operando o mensalão, disse que aquilo era preconceito da direita contra o governo dos pobres.

Da mesma forma, as eventuais críticas à inoperância de Dilma são rechaçadas como preconceito contra a mulher. E é claro que a oficialização da norma “nós pega o peixe” é o triunfo final de Lula, com seu diploma de vítima.

Viva “as novas elite brasileira”. E salve-se quem puder.


O que “os livro” contam?

Li o capítulo do livro “Por uma vida melhor”, que vem causando polêmica há mais de uma semana na imprensa e na comunidade acadêmica. O livro é distribuído pelo Ministério da Educação para ser utilizado pelas escolas públicas na Educação de Jovens e Adultos e foi coordenado pela Ação Educativa – ONG pela qual tenho grande respeito pelo trabalho que realiza no reconhecimento e ampliação das vozes da cultura, especialmente a das periferias. Copio o trecho da discórdia aqui – e sugiro que o leitor leia o capítulo inteiro, intitulado “Falar é diferente de escrever”. É importante ler o texto na fonte para que possamos pensar juntos e para que cada um possa formar sua própria opinião. 
O trecho que gerou a polêmica é este:

“Os livro ilustrado mais interessante estão emprestado.
Você acha que o autor dessa frase se refere a um livro ou a mais de um livro? Vejamos:
O fato de haver a palavra os (plural) indica que se trata de mais de um livro. Na variedade popular, basta que esse primeiro termo esteja no plural para indicar mais de um referente. Reescrevendo a frase no padrão da norma culta, teremos:

Os livros ilustrados mais interessantes estão emprestados.
Você pode estar se perguntando: ‘Mas eu posso falar ‘os livro?’. Claro que pode. Mas fique atento porque, dependendo da situação, você corre o risco de ser vítima de preconceito linguístico. Muita gente diz o que se deve e o que não se deve falar e escrever, tomando as regras estabelecidas para a norma culta como padrão de correção de todas as formas linguísticas. O falante, portanto, tem de ser capaz de usar a variante adequada da língua para cada ocasião.”

Ao ler o capítulo inteiro, é fácil perceber que, em nenhum momento, os autores do livro afirmam que não se deve ensinar e aprender a “norma culta” da língua. Pelo contrário. Eles se dedicam a ensiná-la. Logo na primeira página, é dito: “Você, que é falante nativo de português, aprendeu sua língua materna espontaneamente, ouvindo os adultos falarem ao seu redor. O aprendizado da língua escrita, porém, não foi assim, pois exige um aprendizado formal. Ele ocorre intencionalmente: alguém se dispõe a ensinar e alguém se dispõe a aprender”. Mais adiante, os autores estimulam o aluno a ler e a escrever – e a insistir nisso, mesmo que possa parecer difícil, porque é lendo e escrevendo que se aprende a ler e a escrever.
Não há, portanto, nenhum complô contra a língua portuguesa, como algumas intervenções fizeram parecer. Nem mesmo caberia tanto barulho, não fosse uma ótima oportunidade para pensarmos sobre a língua. E o debate das ideias sempre vale a pena. É mais interessante, porém, quando partimos das dúvidas – e não das certezas. Não custa perguntar uma vez por dia a si mesmo: “Será que eu estou certo?”. Ninguém está velho demais, ou sábio demais, ou tem diplomas demais que não possa duvidar e aprender. Um professor que pensa que sabe tudo não é um professor – é um dogma. E dogmas cabem nas religiões e nas ditaduras – e não na escola e na democracia.
Há algumas afirmações no texto que, em minha opinião, merecem uma reflexão mais atenta. E o trecho de “Os livro” é apenas uma delas. Em outro momento, os autores dizem o seguinte:

“Em primeiro lugar, não há um único jeito de falar e escrever. A língua portuguesa apresenta muitas variantes, ou seja, pode se manifestar de diferentes formas. Há variantes regionais, próprias de cada região do país. (...) Essas variantes também podem ser de origem social. As classes sociais menos escolarizadas usam uma variante da língua diferente da usada pelas classes sociais que têm mais escolarização. Por uma questão de prestígio — vale lembrar que a língua é um instrumento de poder —, essa segunda variante é chamada de variedade culta ou norma culta, enquanto a primeira é denominada variedade popular ou norma popular. Contudo, é importante saber o seguinte: as duas variantes são eficientes como meios de comunicação. A classe dominante utiliza a norma culta principalmente por ter maior acesso à escolaridade e por seu uso ser um sinal de prestígio. Nesse sentido, é comum que se atribua um preconceito social em relação à variante popular, usada pela maioria dos brasileiros. Esse preconceito não é de razão linguística, mas social. Por isso, um falante deve dominar as diversas variantes porque cada uma tem seu lugar na comunicação cotidiana”.

É verdade que a língua pode ser um instrumento de dominação – e foi ao longo da História não só do Brasil, mas do mundo. O português mesmo é a língua dos colonizadores – e foi sendo transformado por falantes vindos de geografias e de experiências diversas ao longo dos séculos, num constante movimento. Assim como a apropriação da palavra escrita e a ampliação do acesso à escola estão na base de qualquer processo igualitário. Também é verdade que os pobres sempre foram discriminados por tropeçarem nas palavras e na concordância. Basta lembrar as piadas que faziam com Lula porque no início de sua carreira política ele falava “menas” – em vez de menos. A solução para a discriminação, sempre uma indignidade, não foi afirmar que “menas” também era correto.
O que discordo no capítulo polêmico é exatamente o caminho que o livro propõe para a inclusão. Primeiro, acho complicado afirmar que usar “a norma culta” ou a “norma popular” é uma questão de ocasião. Como neste trecho: “A norma culta existe tanto na linguagem escrita como na linguagem oral, ou seja, quando escrevemos um bilhete a um amigo, podemos ser informais, porém, quando escrevemos um requerimento, por exemplo, devemos ser formais, utilizando a norma culta”.

Aceitar que está correto dizer “Os livro” – ou que basta aprender onde cabe a “norma popular” e onde é mais apropriada a “culta” – pode significar aceitar a dominação e acolher o preconceito. Quem fala e escreve “os livro” o faz não por escolha, mas porque lhe foi roubado o acesso à educação. É verdade que quem assim se expressa supostamente comunica o mesmo que quem respeita a concordância. E o objetivo maior da língua é permitir a comunicação. Mas, se você afirma que a concordância ou não é apenas uma questão de ocasião, você corre o risco de estar acolhendo a discriminação – e não incluindo de fato. 

A inclusão real só vai acontecer quando a escola pública oferecer a mesma qualidade de ensino recebida pelos mais ricos nas melhores escolas privadas. Quando o Estado for capaz de garantir a mesma base de conhecimento para que cada um desenvolva suas potencialidades. E este é o problema do país: uma educação pública de péssima qualidade, com adolescentes que chegam ao ensino médio sem condições de interpretar um texto – e muitas vezes incapazes até mesmo de ler um texto.
O que os mais pobres precisam não é que alguém lhes diga que expressões como “os livro” é bom português, mas sim uma escola que ensine de fato – e não que finja ser capaz de ensinar. Para dizer “os livro” ninguém precisa de escola. É óbvio que a língua, como coisa viva que é, também é política. Mas a política de inclusão contida no texto do livro pode estar equivocada. E a discussão sobre o tema, seja de um lado ou de outro, poderia ser mais interessante se fosse menos sobre política – e mais sobre educação.

Dominar as regras é importante até para poder quebrá-las. É preciso conhecer profundamente a origem, a estrutura da língua, para poder brincar com ela. Você precisa partir do parâmetro para reinventá-lo na escrita. Quando o personagem de um romance que se passa na periferia de uma grande cidade diz “Os livro”, seu autor sabe que a concordância correta é “os livros”. Quando ele escolhe colocar essa construção na boca do personagem, há uma intenção literária. Ele está nos dizendo algo muito mais profundo do que uma mera equivalência poderia sugerir. Se você elimina essa possibilidade, pode estar eliminando a denúncia da dominação ou a possibilidade do estranhamento. (Ao final do capítulo polêmico, aliás, há um texto bem interessante sobre a visão de mundo contida na escolha da linguagem escrita, desenvolvido a partir do poema “Migna terra”, de Juó Bananére.)
Quando alguém é discriminado por dizer “Os livro” não me parece ser “um preconceito linguístico”, como os autores afirmam, mas um preconceito. Ponto. Ninguém tem o direito de zombar de outro porque ele não conhece as regras gramaticais – ao contrário, deve ajudá-lo a encontrar os meios de aprender. E é nesse ponto que me parece que pode existir também um equívoco na compreensão do que é a linguagem popular.
Não sou linguista, nem gramática, nem professora de português. Estou sempre estudando para não cometer erros ao escrever, mais ainda agora com a nova ortografia. Mas, mesmo com a gramática e o dicionário já bem gastos pelo uso, às vezes me acontece de atropelar a língua. Acho, porém, que entendo um pouco da linguagem das ruas. E nisso tenho algo a dizer.

Percorro o Brasil há mais de 20 anos ouvindo histórias de gente – e muitos dos que escutei eram analfabetos. Sempre defendo que a principal ferramenta do repórter é a escuta. E é justamente esta escuta que me ensinou que a linguagem popular é muito variada – e muito, muito sofisticada mesmo. Seguidas vezes, meu desafio é apenas escutar com redobrada atenção para reproduzir pela escrita o que foi inventado pela fala. Porque há uma recriação de mundo em cada canto, contida nas pessoas a partir de experiências as mais diversas. É essa sofisticação da linguagem que me abre as portas para o universo que me propus a contar. 

Com frequência eu penso, diante de um analfabeto nos confins do Brasil: “Nossa! Isso é literatura pela boca!”. E é. Guimarães Rosa não reinventou a língua portuguesa apenas porque era um gênio. Acredito que era um gênio – mas acredito também que ele bebeu em genialidades orais do sertão do qual se apropriou como poucos.

Então, acreditar que a linguagem popular (ou “variante popular” ou “norma popular”) é dizer coisas toscas como “os livro” pode significar subestimar a riqueza e a diversidade de expressão do povo. Sempre lamentei que as pessoas que me contavam suas histórias não tivessem tido acesso à escola, devido à abissal desigualdade do Brasil, para que não precisassem de mim para transformar em escrita as belas construções, os achados de linguagem que saíam de sua boca.
Nada a ver com “os livro”. Posso estar errada, mas me arrisco a afirmar que o povo brasileiro é muito melhor do que isso. Se o Estado algum dia garantir escola pública de qualidade e professores qualificados, bem pagos e dispostos a ensinar, o português será uma língua muito mais rica também na expressão escrita – como já é na oral. 

(Eliane Brum escreve às segundas-feiras.)


Por que “nóis erra” a gramática



Os meios de comunicação abriram espaço para debater um livro didático que supostamente traria “erros de português”. Trata-se de Por uma vida melhor, da coleção Viver, aprender, que reúne uma série de textos de linguistas e professores de português. O compêndio foi aprovado pelo Ministério da Educação, aplicado em escolas e usado por meio milhão de estudantes do ensino fundamental e médio em todo o território do Brasil. A obra ganhou fama porque tenta explicar as diferenças entre a norma culta e o linguajar cotidiano, e exemplificava as ocorrências do registro coloquial com orações como “nós pega os peixe” ou “nós vai à roça”. Esse tipo de abordagem, segundo muitos âncoras de rádio e TV, desinformaria as crianças em vez de educá-las. Segundo eles, é preciso ensinar o “português correto” aos estudantes, para que eles possam crescer dotados com mais cultura e mais utilidade social. Permitam-me fazer deles as suas palavras... 

Curiosamente, no meio da tentativa de criar polêmica, esses paladinos do idioma cometeram uma série daquilo que eles próprios consideram “erros de português”. Não pretendo enumerar as besteiras pronunciadas, até porque considero serem ocorrências normais na língua cotidiana falada, inclusive nos meios de comunicação. Mas ouvi muita bobagem, e muita discussão entre gente graúda irritou-me pelo mesmo motivo que estavam discutindo: a ignorância em relação ao assunto com que lidavam: a língua. 

Sem muito alarde, os polemistas instantâneos foram baixando a voz – e desapareceram. Como em denúncias que são alardeadas em manchetes e depois desmentidas em corpo minúsculo, a conversa murchou sem retratações. Muita gente só pegou os ecos dos bate-bocas, sem nem terá sabido do que se tratava na realidade. Mesmo assim, e por isso mesmo, vejo-me na obrigação gramática e moral de discutir o problema, elevando-o a um nível menos colérico. 

Vou tentar desemaranhar os enganos. Antes de mais nada, é preciso examinar a questão da linguagem e do idioma de uma forma minimamente lógica. Peço um pouco de paciência, em nome da verdade. Vamos diferenciar gramática normativa e gramática descritiva. 

A gramática normativa, aquela que rege as regras daquilo que é consagrado em termos de fala e escrita em uma determinada sociedade e nação, não tem foro de verdade absoluta. Ela não passa de uma disciplina sem fins científicos, uma espécie de enciclopédia das boas maneiras. Quem afirma isso não sou eu, mas o mais venerável gramático do Brasil, Evanildo Bechara, em sua Gramática escolar da língua portuguesa, que vem sendo publicada há décadas. Eu próprio estudei nela no ginásio, e a mantenho comigo para momentos graves como este. 

Diz mestre Bechara: “Cabe à gramática normativa, que não é uma disciplina com finalidade científica e sim pedagógica, elencar os fatos recomendados como modelares da exemplaridade idiomática para serem utilizados em circunstâncias especiais do convívio social”. E segue: “A gramática normativa recomenda como se deve falar e escrever segundo o uso e a autoridade os escritores corretos e dos gramáticos e dicionaristas esclarecidos”. Por conseguinte, a gramática normativa não passa de um manual de etiqueta, ensinado às crianças ou aos analfabetos no início de sua formação. Os professores dizem aos pequenos que não devem dizer “nós vai à balada” assim como aconselham a não pôr o dedo no nariz ou produzir ruídos inconvenientes. Claro que é necessário ensinar os cidadãos a se comportar bem. Escrever e falar corretamente em qualquer língua é um pré-requisito para o crescimento profissional e o convívio socialmente aceitável. Quem fala ou escreve inadequadamente (ou, como dizem os polemistas, quem comete “erros de português”) é sumariamente execrado e excluído. 

Ora, tal código de posturas do município do idioma vai de encontro (e não “ao encontro de”) ao que acontece entre os falantes de uma língua na realidade concreta. O que ocorre na língua em seus vários registros diz respeito à gramática descritiva, disciplina científica baseada nas pesquisas da linguística. Seu objetivo é examinar, descrever e fornecer uma teoria para o funcionamento fonético, fonológico, morfológico, sintático e lexicográfico de determinada língua. Por isso, estuda o que ocorre e o que ocorreu nos usos de um idioma, sincrônica e diacronicamente. Cito novamente Bechara: “Cabe tão-somente à gramática descritiva registrar como se diz numa língua funcional, numa determinada variedade que integra uma língua histórica: o português do Brasil; o português de Portugal; o português do século XVI ou do século XX; o português de uma comunidade urbana ou rural; o português de Eça de Querós ou de Machado de Assis, e assim por diante. Por ser de natureza científica, não está preocupada em estabelecer o que é certo e errado no nível do saber idiomático”. 

Em outras palavras, a linguística anota e reconhece tudo o que é dito nos vários registros: o coloquial, o culto, o dialetal e até o idioletal, a fala particular. Sua missão não é emitir juízos de valor e distinguir o certo do errado. É mostrar que a língua consiste em um organismo dinâmico, que opera em vários níveis de fala. E que cada nível possui o seu código. O problema de usar um vocabulário de um registro em outro não é de erro, mas de inadequação. Nós se atrapaia, nóis comete erro. Assim cantavam a dupla caipira Tonico e Tinoco em suas letras de toadas singelas que tanto encantavam Guimarães Rosa. Assim Juó Bananère e Adoniran Barbosa alimentaram o folclore do bairro do Bexiga em São Paulo com italianismos tão inconvenientes como inesquecíveis. Assim cantaram os boiadeiros nordestinos em sextilhas e decassílabos. Os erros desses poetas populares são exemplares. 

Ora, por que não apresentar aos estudantes do ensino médio a realidade da fala cotidiana cientificamente estudada É o que faz o compêndio Por uma vida melhor. O volume diferencia o registro popular da norma culta. Uma das passagens mais polêmicas da obra diz o seguinte: “Posso falar 'os livro'?' Claro que pode, mas dependendo da situação, a pessoa pode ser vítima de preconceito linguístico”. A começar pelos autores que fizeram a afirmação. Os professores que escreveram o livro, ora vejam só, foram vítimas do preconceito linguístico, que não deixa de se ser também um preconceito científico. É verdade: gritar um palavrão no campo de futebol quando o juiz comete uma injustiça tem aceitação social. Se, entre uma cerveja e outra, eu digo a meu tio: “Nóis não vai pescar neste fim de semana?” ninguém vai achar estranho, mesmo que eu seja um doutor da USP. Da mesma forma, falar palavrão ou dizer uma frase imprecisa em uma tribuna ou cátedra será abominado – salvo os políticos, que podem ser popularescos em suas falas no Congresso Nacional sem que nada lhes aconteça. Aliás, dá-lhes mais visibilidade. A imunidade parlamentar inclui a imunidade linguística... 

Ao condenar as “falhas” do livro didático em questão, os donos da verdade cometeram um erro duplo de linguística: compreenderam a gramática normativa como uma verdade absoluta e condenaram quem não a segue. A postura raivosa não tem nada de respeitável. Ao contrário, só faz emergir prejulgamentos levianos. Cometeram um erro básico de interpretação. 

Tudo isso me leva a pensar que grande parte da intelligentsia agiu ideologicamente ao abordar um assunto tão delicado. (E entre os intelectuais incluo nós, jornalistas, mesmo que muitos de nossos luminares da República considerem a profissão algo próximo à do cozinheiro, que, por sua vez, não deixam de ter evoluído intelectualmente nos últimos anos por causa da moda gastronômica.). Gente com diploma vistoso abandonou qualquer atitude minimamente científica para destilar o mais desavergonhado preconceito linguístico; leia-se: preconceito de classe. Desconfio de que a ascensão econômica e cultural das classes C e D andam assustando certos defensores de privilégios, inclusive os linguísticos. Talvez tenham medo de que os pobres (ou, na expressão deliciosamente forjada em São Paulo há pouco tempo, “a gente diferenciada) lhes usurpem as cátedras e os palanques. É outro problema que atinge o Brasil: até mesmo a plêiade que se arvora em autoridade é mal-educada, desinformada e, pior, mal-intencionada. A elite intelectual brasileira não tem “níver”.

(Luís Antônio Giron escreve às terças-feiras.)






UFRN aprovou obra que defende fala popular



Em nota divulgada pelo MEC, a autora defendeu que a ideia de ''correto e incorreto no uso da língua deve ser substituída pela ideia de uso da língua adequado e inadequado, dependendo da situação comunicativa''

Uma comissão formada por professores da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) aprovou o livro "Por uma Vida Melhor", da Coleção Viver e Aprender. O livro, que chegou a 484.195 alunos de todo o País, defende que a forma de falar não precisa necessariamente seguir a norma culta. "Você pode estar se perguntando: ‘Mas eu posso falar os livro?’. Claro que pode", diz um trecho.

"Por uma Vida Melhor", de autoria de Heloísa Ramos, afirma que o uso da língua popular - ainda que com seus erros gramaticais - é válido na tentativa de estabelecer comunicação. O livro lembra que, caso deixem de usar a norma culta, os alunos podem sofrer "preconceito linguístico". "Fique atento porque, dependendo da situação, você corre o risco de ser vítima de preconceito linguístico. Muita gente diz o que se deve e o que não se deve falar e escrever, tomando as regras estabelecidas para a norma culta como padrão de correção de todas as formas linguísticas."

O livro foi escolhido por um total de 4.236 escolas, que definiram a obra "mais apropriada a cada contexto", considerando as "propostas pedagógicas e curriculares desenvolvidas", informou o Ministério da Educação (MEC). O MEC não comenta o mérito do livro - ressalta que coube a docentes da UFRN aprovar a obra e a cada escola a decisão de adotá-la ou não nas salas.

Polêmica

Em nota divulgada pelo MEC, a autora defendeu que a ideia de "correto e incorreto no uso da língua deve ser substituída pela ideia de uso da língua adequado e inadequado, dependendo da situação comunicativa". Cercado pela polêmica que o livro levantou, o MEC observa que a seleção do conteúdo didático não coube ao ministério. Os livros do Programa Nacional do Livro Didático para a Educação de Jovens e Adultos (PNLD-EJA) são encaminhados para uma comissão, responsável pela avaliação e seleção das coleções didáticas.

O MEC afirmou que até a segunda-feira, 16, não havia pedidos de devolução dos exemplares. A Editora Global informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que é responsável pela comercialização e pela produção do livro, mas não pelo seu conteúdo. Procurada, a assessoria da UFRN disse que não se pronunciaria.




MEC adota livro que defende uso da língua popular


12.05.201119:57
O livro foi distribuído pelo Programa Nacional do Livro Didático para a Educação de Jovens e Adultos a 484.195 alunos de 4.236 escolas

"Nós pega o peixe" ou "os menino pega o peixe". Para os autores do livro de língua portuguesa 'Por uma vida melhor', da coleção Viver, aprender, adotado pelo Ministério da Educação (MEC), o uso da língua popular - ainda que com seus erros gramaticais - é válido. A obra também lembra que, caso deixem a norma culta, os alunos podem sofrer "preconceito linguístico".

Diz um trecho do livro, publicado pela editora Global: "Você pode estar se perguntando: `Mas eu posso falar 'os livro'?. Claro que pode. Mas fique atento porque, dependendo da situação, você corre o risco de ser vítima de preconceito linguístico. Muita gente diz o que se deve e o que não se deve falar e escrever, tomando as regras estabelecidas para a norma culta como padrão de correção de todas as formas linguísticas".

O livro foi distribuído pelo Programa Nacional do Livro Didático para a Educação de Jovens e Adultos a 484.195 alunos de 4.236 escolas, informou o MEC.

Em nota enviada pelo ministério, a autora Heloisa Ramos diz que "o importante é chamar a atenção para o fato de que a ideia de correto e incorreto no uso da língua deve ser substituída pela ideia de uso da língua adequado e inadequado, dependendo da situação comunicativa".

"Como se aprende isso? Observando, analisando, refletindo e praticando a língua em diferentes situações de comunicação", segue a nota. Heloisa afirma que o livro tem como fundamento os "documentos do MEC para o ensino fundamental regular e EJA (Educação de Jovens e Adultos)" e leva em consideração as matrizes que estruturam o Exame Nacional de Certificação de Jovens e Adultos. (Encceja).

A editora Global disse à reportagem, por meio da assessoria de imprensa, que é responsável pela comercialização e produção do livro, e não pelo conteúdo.






Por um debate para além do obscurantismo

Por Adilson de Carvalho*
Há muita desinformação, má fé e preconceito na polêmica criada em torno do livro Uma vida melhor, da professora Heloísa Ramos. O livro faz parte do Programa Nacional do Livro Didático, do Ministério da Educação, e vem sendo execrado por diversos jornalistas e outros moralistas, sob a acusação de que a obra orientaria professores a ensinarem o “português errado” a seus alunos, em detrimento do que consideram o “bom e correto” uso da língua.
Não vou analisar a obra, até porque não li o livro, como não o fizeram 90% dos que o criticam. Considero mais importante, como requisito mínimo para esta e outras discussões sobre língua portuguesa, que as noções fundamentais sobre o funcionamento da língua e o seu ensino sejam esclarecidas.
Em primeiro lugar, é preciso superar a visão arcaica, distorcida, preconceituosa e anticientífica de que existe uma língua certa e elegante e outra errada e grosseira, como se a língua fosse algo semelhante a um código de etiqueta.
Essa forma de entender o funcionamento das línguas teve o seu lugar na tradição ocidental no fim da Idade Média em que o Império decadente insistia em barrar a “contaminação” do latim clássico pela pujante e vivaz ascensão das línguas nacionais. Hoje não faz o menor sentido pensar assim.
Já está muito bem esclarecido, por mais de 100 anos de pesquisa lingüística, que as línguas são fenômenos sociais dinâmicos e que toda e qualquer língua varia no tempo e no espaço. Isso é o que explica que a fala do brasileiro do século 21 seja muito diferente daquela dos primeiros portugueses que aqui desembarcaram, ou que a língua dos estadunidenses tenha diferenças abissais daquela dos ingleses, ou que os moradores de Belo Horizonte tenham hábitos lingüísticos distintos daqueles dos moradores dos morros do Rio de Janeiro, e assim por diante.
Essas constatações são óbvias. Mas admitir isso é também admitir que não adianta gastar energia na vã ilusão de que se vai padronizar o uso oral da língua. Queiram os puritanos ou não, admitam os conservadores ou não, continuaremos aqui e em qualquer lugar a ter diversas variantes lingüísticas, de acordo com o espaço, o tempo e a classe social, entre outros fatores. Então não faz qualquer sentido a discussão que se paute sobre o que seja ou não seja permitido no uso da língua oral. A língua não tem dono, é produto de todos os falantes da comunidade, mesmo que os charlatões vendedores de cursos de boas maneiras lingüísticas ou os insossos e empoeirados membros da ABL resistam em admitir. Portanto, falta legitimidade a quem quer que seja para dizer o que é certo ou errado na fala das pessoas.
Isso, por mais óbvio que seja, não é compreendido pelos dogmáticos da língua, que continuam a bradar que é um absurdo permitir que nossas criancinhas sejam incitadas ao erro ou que se formos permitir qualquer coisa estaremos corrompendo a língua e bla, bla, bla. Desconhecem esses missionários das trevas que, independentemente dos seus discursos raivosos e moralistas, a língua segue o seu curso.
Agora, outra coisa, bem diferente do universo em que acontece a língua falada, e isso também é uma premissa básica para qualquer discussão sobre o ensino português, é a língua escrita. Já está suficientemente demonstrado por inúmeros estudos que língua escrita é muito diferente da modalidade  falada. Fala, qualquer que seja a variante, aprende-se naturalmente com a simples imersão do aprendiz no ambiente. É assim que as crianças aprendem. Essa compreensão básica também foi muito bem assimilada pelos cursos de idioma estrangeiro, que deixaram de se concentrar no ensino de gramática normativa, porque compreenderam que isso tinha pouco ou nada a ver com o uso do idioma, e passaram a simplesmente criar situações de imersão orientada dos aprendizes em ambientes reais de uso da língua.
O aprendizado de língua escrita, portanto, é algo bem diferente do uso da língua falada. Requer estudo sistemático e muito treino. Se os alunos não forem estimulados a ler e a produzir textos escritos, naturalmente não vão dominar essa técnica. E esse é, aliás, a meu ver, o principal papel da escola: ensinar aos alunos o que eles não sabem e o que é possível ensinar, e não tentar controlar a fala deles ou incutir noções preconceituosas que lhes diminui a autoestima e rouba-lhes a oportunidade de uma reflexão crítica sobre as relações sociais e políticas que envolvem o uso da língua.
Se a escola se concentrar em orientar os alunos na reflexão sobre a língua e na produção e compreensão de textos orais e escritos nos mais diversos gêneros, como cartas, crônicas, notícias de jornal, atos normativos, debates televisivos, entrevistas e outros tantas situações reais de produção lingüística, creio que avançaremos em direção a uma educação de muito melhor qualidade.
Insistir no modelo defendido pelos que fazem parte da cruzada moralista, que defende a doutrinação dogmática para um modelo de língua que não existe no mundo real, é optar pelo duplo fracasso. Nem os alunos aprenderão as regras da gramática normativa, uma vez que ela é um compêndio de explicações com quase nenhum fundamento científico, nem aprenderão o básico, o necessário e fundamental para os desafios que encontrarão na vida prática, que é a habilidade para ler e escrever os textos que circulam no mundo real.
Essas diretrizes não são objeto de minha própria reflexão sobre o ensino de português, embora as considere adequadas. São, em síntese, o que recomendam a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que é de 1996, e os Parâmetros Curriculares Nacionais, editados logo em seguida, ambos resultado de intenso debate social e de longa e fundamentada reflexão de estudiosos do assunto.
Até onde pude compreender sobre a intensa discussão criada em torno do livro Uma vida melhor, a autora simplesmente adota as concepções sobre língua acumuladas pela pesquisa e referendadas pela LDB e pelos PCNs. Além disso, ao contrário do que levianamente alegam os que querem censurar o livro, a publicação foi aprovada não pelo MEC, mas por um longo e democrático processo de avaliação. Por incrível que possa parecer, é exatamente isso que vem irritando alguns jornalistas e pseudointelectuais.
Que eles continuem esbravejando suas bobagens de cunho preconceituoso e conservador, tudo bem, têm lá seus interesses e têm direito de defendê-los. Que essa seja a única, ou quase única, voz nessa discussão tão importante, isso sim é preocupante.
*Adilson de Carvalho é formado em letras pela UnB e Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental.


Não existe apenas uma língua

O fogo pesado disparado contra o livro Por Uma Vida Melhor, de Heloisa Ramos, distribuído pelo Ministério da Educação para a rede pública, faz parte do arsenal da reação conservadora a políticas, apenas ligeiramente progressistas, adotadas nos dois governos Lula e, agora, no governo Dilma Rousseff.
Nesse sentido, é possível seguir o rastro deixado pela oposição e pela mídia, unidos em fina sintonia, por exemplo, contra o Programa Bolsa Família e, também, contra a política externa sem alinhamento automático com os Estados Unidos.
Soma-se a esses ataques outro ingrediente. O forte e enraizado preconceito.
“Língua é ferramenta e sua função primária é propiciar uma comunicação inteligível. Ela é normatizada ao longo do tempo na forma como é falada. Assim é criado o padrão escrito. O passo seguinte é a aceitação de um modelo estético e passa a ser elegante escrever, e também falar, na variante oficialmente reconhecida”, observa o advogado e linguista Ricardo Salles autor, entre outros, do livro Legado de Babel (Ed. Livro Técnico), prefaciado por Antonio Houaiss.
Salles põe o dedo na ferida: “Isso dá, em primeiro lugar, distinção social e, como um subproduto terrível, o preconceito contra aqueles que não falam da mesma maneira”.
Alvejado de variadas maneiras, por variadas intenções e por variados calibres, o livro, quatro volumes de 107 páginas cada um, não ensina nem enaltece erros de português. Mas essa versão, para quem ataca, é melhor do que o fato. O trabalho fornece apenas alguns exemplos da língua popular (quadro).
Toda a polêmica está criada a partir de 30 linhas de apresentação, nas quais a autora orienta o estudante que “não há um único jeito de falar e escrever”. Há variantes que podem ser de origem social. Ela explica:
“As classes sociais menos escolarizadas usam uma variante da língua diferente da usada pelas classes sociais que têm mais escolarização. Por uma questão de prestígio – vale lembrar que a língua é um instrumento de poder –, essa segunda variante é chamada de variedade culta ou norma culta, enquanto a primeira é denominada variedade popular ou norma popular”.
Por esse motivo, aliás, Heloisa Ramos não fala em “erro” e “acerto”. Ela usa “adequação” e “inadequação”, e ainda alerta: “…quando escrevemos um bilhete a um amigo, podemos ser informais, porém, quando escrevemos um requerimento, por exemplo, devemos ser formais, utilizando a norma culta”.
Salles lembra que formas como “eles vai” e equivalentes já são aceitas em certas línguas europeias, como o finlandês, país do Primeiríssimo Mundo.
Nesse caso específico Ricardo Salles diz que a razão é simples: “Durante muito tempo, a Finlândia fez parte da Suécia e tudo o que era importante se exprimia em sueco e não em finlandês.
A língua finlandesa (idioma uraliano, que não tem qualquer parentesco conhecido com o português) ficou, portanto, relegada a um segundo plano e evoluiu com os falantes com toda naturalidade e, tal como ocorre em outros idiomas, inclusive em português, houve equalização da conjugação verbal pela terceira pessoa do singular”. 
Em tempo, o colunista oferece um exemplo banal: quando usamos “você” lançamos mão do que já foi palavra popular variante da língua culta Vossa Mercê.
 


Falsa questão

Parte da imprensa divulga que obra de Língua Portuguesa comprada pelo MEC “ensina a falar errado”. Mas não é bem assim. Por Lívia Perozim. Foto: Olga Vlahou
Mais uma vez um livro didático foi alvo de polêmica. Uma notícia divulgada pelo portal IG, por meio do blog Poder On Line, afirmou: o MEC comprou e distribuiu um livro que “ensina a falar errado”. Em jornais, emissoras de tevê e meios eletrônicos o livro, seus autores e o próprio MEC foram crucificados. Colunistas renomados esbravejaram. É um livro “criminoso”, atestou Clóvis Rossi, na Folha de S. Paulo. Dora Kramer, no Estadão de terça-feira, aproveitou para atacar Lula: “Tal deformação tem origem na plena aceitação do uso impróprio do idioma por parte do ex-presidente Lula, cujos erros de português se tornaram inimputáveis, por supostamente simbolizarem a mobilidade social brasileira.” Poderíamos nos perguntar o que Glorinha Kalil pensa do assunto, mas vamos nos ater aos fatos.
O livro em questão é o Por Uma Vida Melhor e faz parte da coleção Viver, Aprender, organizada pela Ação Educativa, uma ONG que há 16 anos promove debates e atua em projeto de melhoria educação e políticas para a juventude. Foi distribuído para 4.236 escolas e é destinado, frise, para alunos da Educação de Jovens e Adultos (EJA) – mais para frente ficará claro o porquê. Seus autores são Heloísa Ramos, Cláudio Bazzoni e Mirella Cleto. Os três, professores de língua portuguesa, autores de livros didáticos e estudiosos do tema variação linguística.
A polêmica midiática partiu da reprodução de trechos como: “Você pode estar se perguntando: ‘Mas eu posso falar os livro?’. Claro que pode. Mas fique atento porque, dependendo da situação, você corre o risco de ser vítima de preconceito linguístico”. Reproduzidos assim, descolados de um contexto, parece mesmo que a orientação era mandar às favas a língua portuguesa. Mas não é bem isso. Faltou uma leitura mais atenta, ou, pior, faltou ler a obra. O capítulo em questão, ao menos (clique aqui para ler).
Tanto é que foram repercutidas as mesmas poucas frases, retiradas de 1 dos 16 capítulos do livro. Embora o título seja auto-explicativo, Escrever é diferente de falar, vale reproduzir a proposta descrita na introdução: “Neste capítulo, vamos exercitar algumas características da linguagem escrita. Além disso, vamos estudar uma variedade da língua portuguesa: a norma culta. Para entender o que ela é e a sua importância, é preciso conhecer alguns conceitos.” Os trechos pescados pela imprensa estavam no tópico: “A concordância das palavras”. Ali, discute-se a existência de variedades do português falado que admitem que o primeiro termo de um grupo nominal indique se a frase é singular ou plural. O exemplo: “Os livro ilustrado mais interessante estão emprestado.” Em seguida, reescreve-se a frase na norma culta: “Os livros ilustrados mais interessantes estão emprestados”.
Ou seja, os autores do livro mostram aos alunos do EJA, adultos que já carregam uma bagagem cultural construída pela vivência e por suas experiências educativas, que este modo de falar é correto linguisticamente, por se fazer comunicar, mas não é aceito gramaticalmente. Explica-se: a linguística é uma ciência em busca de conhecimentos sobre a língua. A gramática não é cientifica, é um conjunto de normas. É, portanto, uma parte importante, mas não representa todo o saber da língua.
A confusão está, em parte, no fato de se pretender apartar a teoria linguística do ensino da língua, como se a escola devesse parar no tempo e não deixar entrar nenhum avanço científico relativo à língua materna. “Isso sim é uma irresponsabilidade, um crime”, devolve Cláudio Bazzoni, um dos autores do livro.
Não se fala aqui de uma ciência inventada ontem. Com base em estudos antigos, os linguistas mostram que a língua é um sistema complexo, muito maior do que um conjunto de normas, que muda pela história e é determinada por práticas sociais. Sírio Possenti, professor do departamento de lingüística da Unicamp, explica: “Para um linguista, o conceito de certo e errado não tem sentido. Seria como um botânico achar que uma planta está errada. Para ele, a questão é quais são as regras em cada caso”. Posto que as noções de certo e errado têm origem na sociedade, não na estrutura da língua, ele completa: “É certo o que uma comunidade considera certo. E essa avaliação muda historicamente. Um exemplo: a passiva antiga do português se fazia com de: ‘será de mim mui bem servida’. Está na Carta de Caminha. Hoje, se faz com por.”.
A sociedade, no caso, os jornalistas – até mais que os normatistas – condenaram um tipo de conteúdo, a variação linguística, que faz parte há mais de quinze anos dos livros didáticos de língua portuguesa disponíveis no mercado, avaliados e aprovados pelo MEC. Estão, portanto, mal informados. Como ressalta o professor da Universidade de Brasília Marcos Bagno, em artigo publicado no site de Carta Capital: “Nenhum linguista sério, brasileiro ou estrangeiro, jamais disse ou escreveu que os estudantes usuários de variedades linguísticas mais distantes das normas urbanas de prestígio deveriam permanecer ali, fechados em sua comunidade, em sua cultura e em sua língua… Defender o respeito à variedade linguística dos estudantes não significa que não cabe à escola introduzi-los ao mundo da cultura letrada e aos discursos que ela aciona. Cabe à escola ensinar aos alunos o que eles não sabem! Parece óbvio, mas é preciso repetir isso a todo momento”.
Pelo visto, nem tudo que parece é óbvio. Possenti resume bem o imbróglio: “Bastaria que se aceitasse que as línguas não são uniformes, o que é um fato notório, bastaria as pessoas se ouvirem”.  Fica aí a dica para quem, como o jornalista Alexandre Garcia, em comentário irado sobre o livro que “ensina a falar errado”, começou a frase com “Quando eu TAVA na escola”…

Blogs e Colunistas
28/05/2011
 às 18:35

O livro dos erros - Tio Rei desanca um lingüista importantíssimo da USP; e só não desenha porque deixou a tarefa para Picasso. Divirtam-se!

Alguns especialistas em lingüística (pra mim, ainda com trema…) estão prestando um desserviço ao debate sobre o ensino da língua portuguesa, aos estudantes e, finalmente, à clareza. Abaixo, há uma entrevista do professor José Luiz Fiorin, do Departamento de Lingüística da USP, à Univesp TV. Vemos aí uma defesa entusiasmada do livro “Por Uma Vida Melhor” — aquele que faz, sim!,  a apologia do erro. Infelizmente, trata-se de um momento infeliz em que o saber é usado em favor do corporativismo. Eis o filme. Retomo depois.
Voltei
Quase tudo o que diz o professor sobre a dinâmica da língua está correto, e esse debate seria — e é — pertinente em cursos de letras e lingüística, ministrados a alunos que já dominam a norma culta (pelo menos dominavam no meu tempo…). Levar essa questão para a sala de aula, a alunos dos ensinos fundamental e médio, como se tem feito amiúde, corresponde a debater filosofia da ciência com quem não tem nem formação filosófica nem científica.
A lingüística é um estudo crítico-descritivo dos fenômenos  da língua. A caracterização de determinadas ocorrências, sua gênese e evolução, tudo isso auxilia o especialista a conhecer mais profundamente a estrutura de determinados códigos e pode ser utilíssimo ao professor em sala de aula. Fiorin é um especialista, sabemos. Tio Rei é só um jornalista. Mas diz, com toda humildade (a possível…), a este mestre: alunos de ensino médio e fundamental não têm instrumentos para discutir epistemologia!
Professor Fiorin, ensine primeiro o aluno a desenhar um touro. Depois o senhor ensina como decompor o touro, até que ele vire um genial garrancho de Picasso! Veja bem, professor,
para que o touro pudesse ser isso…
touro-traco… ele teve de poder ser isso…
touro-traco-doisE, antes ainda, fora isso:
touro-figurativo
E poderia ser, se o pintor quisesse,  a reprodução tão fiel quanto possível a um desenho, do bicho ele mesmo.
Mais não me estendo porque seria preciso desenhar. E Picasso já desenhou, não é mesmo?
Ademais, tanto o apresentador quanto Fiorin não são exatamente fiéis à verdade quando afirmam que Heloísa Ramos, a autora do livro, refere-se apenas à fala quando trata do erro. Reproduzo a página do livro.
livro-didatico3
Como se lê acima, a professora escreve besteiras como:
“Muitas vezes, na norma popular, a concordância acontece de maneira diferente:
Os livro ilustrado mais interessante estão emprestado
Atenção!
1 - Não existe “norma popular”; a característica do uso popular da língua é não ter norma;
2 - A concordância não é “diferente”; é errada — o que não quer dizer que seja um crime ou que o usuário da língua deva ser ridicularizado por isso.
Mais adiante, escreve a autora, deixando claro que não se refere apenas à fala:
“Muita gente diz o que se deve e o que não se deve falar e escrever, tomando as regras estabelecidas para a norma culta como padrão de correção de todas as normas lingüísticas”.Fica claro, pois, que ela trata também da escrita. Sem contar que esse “muita gente” sugere existir um poder discricionário a oprimir a língua no povo. E é nisso que essa turma acredita. Não sei se Fiorin está nessa, mas Marcos Bagno, o aiatolá Khomeini da língua torta, pensa assim.
Mais ainda:
“O falante, portanto, tem de ser capaz de usar a variante adequada da língua para cada ocasião”.
“Mais uma vez, é importante que o falante do português domine as duas variedadesescolha a que julgar adequada à sua situação de fala”.
É mesmo? E qual é a ocasião, professores Helóisa e Fiorin, em que o erro é preferível ao acerto? “Duas variedades”??? A expressão mexe com os meus piores instintos satíricos, mas os deixo de lado agora. Não existem apenas “duas variedades”!!! A variedade do erro é infinita!!! Essa é uma afirmação bucéfala!
Não ocorre a esses gigantes que aquele que domina o código pode escolher ou não o erro, assim como Picasso podia desenhar um touro com três ou quatro linhas, mas quem só sabe fazer um touro com três ou quatro linhas será incapaz de fazer um outro com volume, circunstância, movimento, expressão? Em suma, pode escolher quem erra por gosto, mas não quem é oprimido pela ignorância.
O domínio da norma culta da língua é libertador. É no mínimo discutível a afirmação de Fiorin de que a língua não fica nem melhor nem pior, mas apenas muda.  Ele sabe, ou deveria saber ao menos, que o latim vulgar não deu seqüência a certas complexidades de Cícero que traziam um pedaço bem apreciável da civilização.
Lingüistas dessa corrente cometem um erro brutal, que nada tem a ver com a sua especialidade — por isso, os tontos não venham me perguntar: “Você estudou lingüística para discordar de uma especialista?” E que erro é esse? Porque a “língua do povo” é eficiente, serve a seus propósitos, então isso passa a ser encarado como um valor a ser preservado. Ora, não é por acaso que os nossos estudantes estão nos últimos lugares nos testes de leitura do PISA. A maior complexidade da norma culta espelha também uma complexidade maior de relações, de raciocínios, de realidades.
Todos eles cometem o crime intelectual de considerar que o povo é uma variante antropológica que deve ser preservada. É a forma que tomaram as “novas esquerdas”. Antes, elas queriam “libertar” os homens em nome dos valores universais; agora, elas consideram que os tais valores universais são expressão das elites autoritárias e que impô-los é uma violência.
O povo é o seu jardim zoológico da diversidade!
Por Reinaldo Azevedo







16/05/2011 - 19h19

Uma defesa do "erro" de português


O pessoal pegaram pesado. Da esquerda à direita, passando por vários amigos meus, a imprensa foi unânime em atacar o livro didático "Por uma Vida Melhor", de Heloísa Ramos. O suposto pecado da obra, que é distribuída pelo Programa do Livro Didático, do Ministério da Educação, é afirmar que construções do tipo "nós pega o peixe" ou "os livro ilustrado mais interessante estão emprestado" não constituem exatamente erros, sendo mais bem descritas como "inadequadas" em determinados "contextos".

Os mais espevitados já viram aí um plano maligno do governo do PT para pespegar a anarquia linguística e destruir a educação, pondo todas as crianças do Brasil para falar igualzinho ao Lula. Outros, mais comedidos, apontaram a temeridade pedagógica de dizer a um aluno que ignorar a concordância não constitui erro.

Eu mesmo faria coro aos moderados, não fosse o fato de que, do ponto de vista da linguística --e não o da pedagogia ou da gramática normativa--, a posição da professora Heloísa Ramos é corretíssima, ainda que a autora possa ter sido inábil ao expô-la.

Acredito mesmo que, excluídos os ataques politicamente motivados, tudo não passa de um grande mal-entendido. Para tentar compreender melhor o que está por trás dessa confusão, é importante ressaltar a diferença entre a perspectiva da linguística, ciência que tem por objeto a linguagem humana em seus múltiplos aspectos, e a da gramática normativa, que arrola as regras estilísticas abonadas por um determinado grupo de usuários do idioma numa determinada época (as elites brancas de olhos azuis, se é lícito utilizar a imagem consagrada pelo ex-governador de São Paulo Claúdio Lembo). Podemos dizer que a segunda está para a primeira assim como a pesquisa da etiqueta da corte bizantina está para o estudo da História. Daí não decorre, é claro, que devamos deixar de examinar a etiqueta ou ignorar suas prescrições, em especial se frequentarmos a corte do "basileus", mas é importante ter em mente que a diferença de escopo impõe duas lógicas muito diferentes.

Se, na visão da gramática normativa, deixar de fazer uma flexão plural ou apor uma vírgula entre o sujeito e o predicado constituem crimes inafiançáveis, na perspectiva da linguística nada disso faz muito sentido. Mas prossigamos com um pouco mais de vagar. Se os linguistas não lidam com concordâncias e ortografia o que eles fazem? Seria temerário responder por todo um ramo do saber que ainda por cima se divide em várias escolas rivais. Mas, assumindo o ônus de favorecer uma dessas correntes, eu diria que a linguística está preocupada em apontar os princípios gramaticais comuns a todos os idiomas. Essa ideia não é exatamente nova. Ela existe pelo menos desde Roger Bacon (c. 1214 - 1294), o "pai" do empirismo e "avô" do método científico, mas foi modernamente desenvolvida e popularizada pelo linguista norte-americano Noam Chomsky (1928 -).

Há de fato boas evidências em favor da tese. A mais forte delas é o fato de que a linguagem é um universal humano. Não há povo sobre a terra que não tenha desenvolvido uma, diferentemente da escrita, que foi "criada" de forma independente não mais do que meia dúzia de vezes em toda a história da humanidade. Também diferentemente da escrita, que precisa ser ensinada, basta colocar uma criança em contato com um idioma para que ela o adquira quase sozinha. Mais até, o fenômeno das línguas crioulas mostra que pessoas expostas a pídgins (jargões comerciais normalmente falados em portos e que misturam vários idiomas) acabam desenvolvendo, no espaço de uma geração, uma gramática completa para essa nova linguagem. Outra prova curiosa é a constatação de que bebês surdos-mudos "balbuciam" com as mãos exatamente como o fazem com a voz as crianças falantes.

O principal argumento lógico usado por Chomsky em favor do inatismo linguístico é o chamado Pots, sigla inglesa para "pobreza do estímulo" ("poverty of the stimulus"). Em grandes linhas, ele reza que as línguas naturais apresentam padrões que não poderiam ser aprendidos apenas por exemplos positivos, isto é, pelas sentenças "corretas" às quais as crianças são expostas. Para adquirir o domínio sobre o idioma elas teriam também de ser apresentadas a contraexemplos, ou seja, a frases sem sentido gramatical, o que raramente ocorre. Como é fato que os pequeninos desenvolvem a fala praticamente sozinhos, Chomsky conclui que já nascem com uma capacidade inata para o aprendizado linguístico. É a tal da Gramática Universal.

O cientista cognitivo Steven Pinker, ele próprio um ferrenho defensor do inatismo, extrai algumas consequências interessantes da teoria. Para começar, ele afirma que o instinto da linguagem é uma capacidade única dos seres humanos. Todas as tentativas de colocar outros animais, em especial os grandes primatas, para "falar" seja através de sinais ou de teclados de computador fracassaram. Os bichos não desenvolveram competência para, a partir de um número limitado de regras, gerar uma quantidade em princípio infinita de sentenças. Para Pinker, a linguagem (definida nos termos acima) é uma resposta única da evolução para o problema específico da comunicação entre caçadores-coletores humanos.

Outro ponto importante e que é o que nos interessa aqui diz respeito ao domínio da gramática. Se ela é inata e todos a possuímos como um item de fábrica, não faz muito sentido classificar como "pobre" a sintaxe alheia. Na verdade, aquilo que nos habituamos a chamar de gramática, isto é, as prescrições estilísticas que aprendemos na escola são o que há de menos essencial, para não dizer aborrecido, no complexo fenômeno da linguagem. Não me parece exagero afirmar que sua função é precipuamente social, isto é, distinguir dentre aqueles que dominam ou não um conjunto de normas mais ou menos arbitrárias que se convencionou chamar de culta. Nada contra o registro formal, do qual, aliás, tiro meu ganha-pão. Mas, sob esse prisma, não faz mesmo tanta diferença dizer "nós vai" ou "nós vamos". Se a linguagem é a resposta evolucionária à necessidade de comunicação entre humanos, o único critério possível para julgar entre o linguisticamente certo e o errado é a compreensão ou não da mensagem transmitida. Uma frase ambígua seria mais "errada" do que uma que ferisse as caprichosas regras de colocação pronominal, por exemplo.

Podemos ir ainda mais longe e, como o linguista Derek Bickerton (1925 -), postular que existem situações em que é a gramática normativa que está "errada". Isso ocorre quando as regras estilísticas contrariam as normas inatas que nos são acessíveis através das gramáticas das línguas crioulas. No final acabamos nos acostumando e seguimos os prescricionistas, mas penamos um pouco na hora de aprender. Estruturas em que as crianças "erram" com maior frequência (verbos irregulares, dupla negação etc.) são muito provavelmente pontos em que estilo e conexões neuronais estão em desacordo.
Mais ainda, elidir flexões, substituindo-as por outros marcadores, como artigos, posição na frase etc., é um fenômeno arquiconhecido da evolução linguística. Foi, aliás, através dele que os cidadãos romanos das províncias foram deixando de dizer as declinações do latim clássico, num processo que acabou resultando no português e em todas as demais línguas românicas.

A depender do zelo idiomático de meus colegas da imprensa, ainda estaríamos todos falando o mais castiço protoindo-europeu.
Não sei se algum professor da rede pública aproveita o livro de Heloísa Ramos para levar os alunos a refletir sobre a linguagem, mas me parece uma covardia privá-los dessa possibilidade apenas para preservar nossas arbitrárias categorias de certo e errado.
Hélio Schwartsman
Hélio Schwartsman, 44 anos, é articulista da Folha. Bacharel em filosofia, publicou "Aquilae Titicans - O Segredo de Avicena - Uma Aventura no Afeganistão" em 2001. Escreve para a Folha.com.



>>>Material compilado por Teófilo Leite Beviláqua

Do , em Brasília

MEC não vai recolher livro com erros

de concordância, diz Haddad

Livro para ensino de jovens e adultos fala sobre uso da linguagem popular.
Ministro afirma que recolher material seria censura.


O ministro da Educação, Fernando Haddad, afirmou nesta quarta-feira (18) que o governo não vai mandar recolher o livro "Por uma Vida Melhor", que contém erros de concordância.
"Já foi esclarecido que as pessoas que acusaram esse livro não tinham lido. Uma pena que as pessoas se manifestaram sem ter lido", afirmou Haddad, segundo a Agência Estado, após encontro com parlamentares na Câmara dos Deputados. O Ministério da Educação (MEC) distribuiu o livro pelo Programa Nacional do Livro Didático para a Educação de Jovens e Adultos. Na publicação, os autores dizem que o uso da linguagem popular é válida ainda que com erros de concordância. No livro, são usadas as frases "nós pega o peixe" e "os menino pega o peixe". O MEC distribuiu o livro pelo Programa Nacional do Livro Didático para a Educação de Jovens e Adultos a 484.195 alunos de 4.236 escolas do país.
Em entrevista à rádio CBN, Haddad afirmou que o MEC não tem ingerência sobre a escolha do livro didático. “O catálogo é composto pelas universidades públicas brasileiras e vai para a internet para que as escolas escolham", disse.
Segundo o ministro, “se houve lisura no processo, os parecerem foram convergentes para catalogar aquele livro, a escola escolheu com liberdade a obra. O ministério só pode tomar providência se o exemplar entregue for diferente do que foi escolhido. Caso contrário o ministério está impedido que pode ser considerado censura." O ministério garante a lisura dos procedimentos, mas não posso vetar uma abordagem metodológica como o programa de livro para jovens e adultos.”
A Academia Brasileira de Letras (ABL) discorda da decisão do MEC. Em nota, a ABL afirmou que “todas as feições sociais do nosso idioma constituem objeto de disciplinas científicas, mas bem diferente é a tarefa do professor de língua portuguesa, que espera encontrar no livro didático o respaldo dos usos da língua padrão que ministra a seus discípulos, variedade que eles deverão conhecer e praticar no exercício da efetiva ascensão social que a escola lhes proporciona.”
Os autores da Coleção Viver, Aprender da Editora Global, afirmam em nota publicada no site da editora que o capítulo "Escrever é diferente de falar", chama a  atenção para algumas características da linguagem escrita e para a norma culta, também conhecida como norma de prestígio. "Pretende defender que cabe à escola ensinar as convenções ortográficas e as características da variedade linguística de prestígio justamente porque isso é valorizado no mundo do trabalho, da produção científica e da produção cultural. E ainda que o domínio da norma de prestígio não se dá de um dia para o outro, mas de modo gradual, constante e pela intensa prática e reflexão sobre seus usos."

COMO O MEC ESCOLHE OS LIVROS DIDÀTICOS
Inscrição das editoras
O edital que estabelece as regras para a inscrição do livro didático é publicado no Diário Oficial da União e disponibilizado no sítio do FNDE na Internet. O edital também determina o prazo para a apresentação das obras pelas empresas detentoras de direitos autorais.
Triagem
Para analisar se as obras apresentadas se enquadram nas exigências técnicas e físicas do edital, é realizada uma triagem pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (IPT).
Avaliação
Os livros selecionados são encaminhados à Secretaria de Educação Básica do MEC, responsável pela avaliação pedagógica. A secretaria escolhe os especialistas para analisar as obras, conforme critérios divulgados no edital. Os especialistas elaboram as resenhas dos livros aprovados, que passam a compor o guia de livros didáticos.
Guia de livros
O MEC disponibiliza o guia do livro didático no site do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e envia o mesmo material impresso às escolas cadastradas no Censo Escolar.
Escolha
Diretores e professores das escolas analisam e escolhem as obras que serão utilizadas. A escola faz o pedido dos livros ao FNDE que, por sua vez, encomenda a compra às editoras.
Distribuição
A distribuição dos livros é feita diretamente pelas editoras às escolas, por meio de um contrato entre o FNDE e os Correios. Os livros chegam às escolas entre outubro e o início do ano letivo.
     



Robson Bonin Do G1, em Brasília

Ministro da Educação compara 

críticas a livro do MEC a fascismo

‘Diferença entre Hitler e Stalin é que Stalin lia os livros’, afirmou ministro.
Segundo Haddad, criticar um livro sem ler a obra seria postura ‘fascista’.

Ministro Fernando Haddad ao lado do presidente
da comissão de Educação do Senado, Roberto
Requião (PMDB-PR) (Foto: Geraldo Magela /
Agência Senado)


O ministro da Educação, Fernando Haddad, classificou nesta terça-feira (31) de uma “postura de viés fascista” as críticas de diferentes setores da sociedade a um livro didático distribuído pelo governo nas escolas, que permitiria erros de concordância.
Haddad defendia, durante reunião da Comissão de Educação do Senado, a decisão do Ministério da Educação (MEC) de distribuir a 484.195 alunos de 4.236 escolas o livro "Por uma Vida Melhor" pelo Programa Nacional do Livro Didático para a Educação de Jovens e Adultos (PNLD-EJA). Nele, os autores afirmam que o uso da língua popular - ainda que com seus erros gramaticais - é válido, permitindo frases como "nós pega o peixe" ou "os menino pega o peixe". Para o ministro da Educação, a maioria dos críticos sequer havia lido a obra.
Foi depois de ser provocado pelo líder do PSDB, Alvaro Dias (PR), que Haddad fez um paralelo entre Hitler e Stalin para afirmar que a diferença entre os dois ditadores estaria na postura de Stalin com os livros.
“Estamos vivendo um período de involução, uma situação stalinista e agora adotando uma postura mais de viés fascista que é criticar um livro sem ler. A diferença entre Hitler e Stalin é que Stalin lia os livros antes de fuzilar os inimigos”, afirmou Haddad.
Pouco antes da fala do ministro da Educação, o líder do PSDB traçou um paralelo da polêmica do livro didático do MEC com uma corrente do Partido Comunista russo, que teria tentado introduzir no regime stalinista um nova linguagem que substituísse a forma culta.
“Esta questão [das formas de linguagem aceitas no livro do MEC] é complexa, mas encontra paralelo em outros tempos. Faço referencia à corrente do Partido Comunista russo, quando Stalin chegou ao poder, que tentou introduzir uma nova língua do partido no país e o próprio Stalin não permitiu esta língua que sepultaria a norma culta. Não estou estabelecendo paralelo, mas a verdade é que há aí uma corrente de forma direta ou indireta induzindo para tentativa de se adotar uma nova linguagem popular”, afirmou Dias.
Depois das referências de Haddad ao fascismo, o líder do PSDB no Senado ainda questionou o ministro sobre os motivos que teriam levado o ministério se recusar a enviar cópias do polêmico livro ao Senado.
“Já que o ministro fez uma referência ao fascismo, gostaria de saber o porquê de o ministério negar aos senadores as cópias do livro. O ministério negou, a Comissão de Educação não recebeu e a própria editora negou cópia ao Senado. Vossa Excelência queria que nós lêssemos todo o livro sem ter acesso a ele?”, questionou Dias.
Haddad rebateu Dias afirmando que o ministério havia distribuído mais de dois mil exemplares da obra.
Diante da troca de farpas entre Dias e Haddad, o presidente da Comissão de Educação do Senado, Roberto Requião (PMDB-PR), pediu a palavra para afirmar que o fascismo não censurava obras literárias. “O fascismo se limitava, de forma inteligente, a censurar duramente os panfletos e os textos curtos”, argumentou Requião.
'Injustiça crassa'
Haddad classificou ainda de “injustiça crassa” as críticas realizadas por diferentes setores da sociedade sobre a obra. "Acompanhei com muita atenção o debate em torno dessa questão na imprensa, saúdo o debate que foi feito, mas confesso que me assustei um pouco no início da discussão. E me assustei por uma razão muito simples: a maioria das pessoas que se manifestaram inicialmente declararam, posteriormente, que não haviam lido o livro objeto da polêmica”, afirmou Haddad.
Para Haddad, o livro “não faz o que os críticos dizem que ele faz [acolhe erros de concordância]”. “O livro parte de uma realidade comum aos adultos que voltam à escola e traz o adulto para a norma culta por meio de exercícios que pede ao estudante que faça a tradução da linguagem popular para a norma culta.”

 >>> Material postado por Tamara Maia Moreira



 

 




                                         







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